19 de junio de 2016

Lei das Doulas: mais um direito a ser conquistado pelas mulheres de Campinas- SP-BR:

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Após três anos desde que foi apresentado ao Plenário da Câmara Municipal de Campinas, será votado hoje o Projeto de Lei 239/2013, mais conhecido como Lei das Doulas. O projeto dispõe que “maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada da cidade de Campinas, ficam obrigados a permitir a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitadas pela parturiente”. A autoria do PL é do vereador Pedro Tourinho (PT), elaborado em conjunto com o Fórum pela Humanização do Parto e Nascimento de Campinas. Posteriormente, contou com a co-autoria dos vereadores Gustavo Petta (PCdoB) e Thiago Ferrari (PTB) e tem o parecer favorável de 13 vereadores da Casa.
Por: Luciana Palharini*
O movimento pela permissão da presença das doulas nas maternidades e hospitais têm ocorrido nos últimos anos por todo o país, já tendo sido aprovadas e sancionadas leis das doulas em algumas cidades e estados, como: Blumenau/SC (Lei Municipal nº 7.946/2014), João Pessoa/PB (Lei Municipal nº 907/2015), São Paulo/SP (Lei Municipal nº 250/2013), Santos/SP (Lei Municipal nº 3134/2015), Sorocaba/SP (Lei Municipal nº 11.128/2015), Distrito Federal/DF (Lei Distrital nº 5.534/2015), Rondônia/RO (Lei Estadual nº 3657/2015), Jundiaí/SP (Lei Municipal nº 8490/2015), Poços de Caldas/MG (Lei Municipal nº 9.065/2015), Rondonópolis/MT (Lei Municipal nº 8.228/2014) e Amazonas/AM (Lei Estadual nº 4072/2014).
Afinal, o que faz uma doula? É nova essa profissão? Sim e não. Sim, até mesmo, pela necessidade evidente de explicar esse nome e sua função, ainda muito desconhecidos por grande parte da sociedade civil. Mas não se trata de um modismo de nossa era e, sim, de um dos ofícios mais antigos, assim como o das parteiras, existindo desde que o parto pertencia estritamente ao universo feminino e acontecia entre mulheres. Em tese, “doular” nada mais é do que uma mulher cuidar de outra que está parindo. Nos dias de hoje, contudo, onde o parto se restringiu a um evento conduzido tecnicamente por equipes especializadas, a cultura de mulheres cuidando de outras mulheres no parto se perdeu bastante, mas tem sido reafirmada pelos movimentos sociais de humanização do parto e por órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde.
A doula é uma profissional escolhida livremente pela gestante e capacitada para oferecer cuidado físico, psíquico e emocional à mulher especialmente durante o trabalho de parto e o parto, fazendo uso de meios não farmacológicos para alívio da dor, auxiliando na busca de posições que propiciem conforto e a evolução do trabalho de parto, cuidando da alimentação e hidratação da parturiente. Ela deve passar por uma formação certificada para atuar e seu ofício é, inclusive, previsto na Classificação Brasileira de Ocupação – CBO 3221-35. Sua atuação pode se dar desde a gestação até o pós-parto. Diversas pesquisas têm trazido evidências científicas sobre os benefícios da presença da doula no trabalho de parto, entre eles: maior chance de parto vaginal espontâneo, menor necessidade de analgesia farmacológica, menor índice de insatisfação no parto, trabalho de parto mais curto, menor índice de cirurgia cesariana ou uso de instrumentos no parto, e menores chances de bebês nascidos com condições difíceis de vitalidade.
O reconhecimento do ofício e de sua importância, portanto, existe. Mas por que a necessidade de que ele seja assegurado na forma de Lei nas dependências de maternidades e hospitais? A questão é que a presença das doulas é comumente impedida na grande maioria dos estabelecimentos de saúde. Ou, o que ocorre na maior parte das vezes, é a permissão acontecer desde que seja como “acompanhante”. A presença da doula, contudo, não pode ser confundida com a presença do acompanhante instituída pela Lei Federal 11.108/2005 – A Lei do Acompanhante. Assim como, a mulher não pode ter seu acompanhante impedido de estar presente no parto. Os dois desempenham papeis completamente diferentes. A doula é uma acompanhante especializada, que tem um trabalho a ser realizado na atenção ao parto.
A grande questão que permeia a luta das mulheres pelo direito ao acompanhamento de doulas é que a classe médica hegemônica não reconhece o ofício dessas mulheres. O que ocorre, na verdade, é que desde o estabelecimento do parto em ambiente hospitalar tem sido preciso assegurar a intimidade e a presença de pessoas de confiança da mulher – que não seja da equipe médica – pela forma de Lei. A Lei do Acompanhante é uma delas. Ainda muito descumprida em hospitais e maternidades brasileiras como mostram algumas pesquisas recentes, sua criação, no entanto, foi um avanço significativo no Brasil na garantia do direito às mulheres de não ficarem isoladas e sozinhas durante o parto. A transformação do atendimento ao parto em um processo em série, padronizado e que privilegia a crença no uso de tecnologias em detrimento do bem-estar clínico e emocional da mulher, contribui para que ela, assim como seus anseios, tenha menor atenção no modelo obstétrico hegemônico. O descumprimento da Lei do Acompanhante é a prova disso. Sob argumentos diversos, muitas mulheres ainda são submetidas a terem seus partos na mais completa solidão e desamparo.
Com relação às doulas, são muitos os equívocos cometidos pela classe médica em seus argumentos contrários à presença da profissional no parto. A começar pelo desconhecimento do ofício. A doula não é parteira, não está apta a realizar exames e procedimentos obstétricos, e nem isso é defendido pelos movimentos sociais. No entanto, o texto do médico Roberto Magliano de Morais, membro da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina, em texto publicado em fevereiro deste ano no portal da instituição, desqualifica o movimento pela humanização do parto e atribui ao mesmo o ativismo pela substituição dos médicos pelas doulas. O texto, aliás, é sobre violência obstétrica, uma problemática gravíssima no contexto brasileiro da assistência obstétrica que vem sendo denunciada há anos – uma em cada quatro mulheres já sofreu esse tipo de violência de acordo com a pesquisa de referência realizada pela Fundação Perseu Abramo. O tema está, inclusive, muito relacionado à presença ou não de acompanhantes ou doulas, já que a maioria das mulheres que sofrem esse tipo de violência encontram-se sozinhas com a equipe de saúde no parto ou pós-parto. O médico citado, no entanto, pouco esclarece sobre o tema em seu texto e está muito mais preocupado em combater a discussão dos direitos das mulheres por um parto humanizado Doulas Campinas
Outro equívoco comum é que nem sempre o ofício de doular configura-se em trabalho remunerado. O Fórum pela Humanização do Parto e Nascimento de Campinas já ofereceu, gratuitamente, duas edições do curso de formação de doulas comunitárias. Um dos objetivos do curso é justamente a afirmação da importância da doula na gestação e parto, independentemente disso se tornar uma profissão remunerada. A ideia é promover a cultura de mulheres dando suporte a outras mulheres. O foco do curso, aberto ao público em geral, mas privilegiando a formação de agentes de saúde e lideranças de bairros, se dá exatamente por serem essas mulheres que lidam com a gestação e parto cotidianamente, com grande potencial de tornarem-se multiplicadoras desta prática de atenção.
O PL 239/2013 dispõe sobre a obrigatoriedade da permissão de entrada das doulas de livre escolha pelas parturientes, o exercício e função das profissionais nos estabelecimentos de saúde, os materiais que podem ser utilizados por elas e que já fazem parte de sua atuação, assim como veda às doulas a realização de procedimentos médicos ou clínicos. O não cumprimento da permissão de presença das doulas prevê penalidades que vão desde advertência na primeira ocorrência até o pagamento de multas em instituições privadas de saúde e afastamento de dirigentes nas instituições públicas. A discussão e votação da Lei das Doulas em Campinas acontecerá hoje, 08 de junho, durante a 37ª reunião ordinária da Câmara Municipal de Campinas, a partir das 18h. Grupos de mulheres em toda a cidade, assim como membros do Fórum pela Humanização do Parto e Nascimento estarão lá demarcando a luta por mais um direito das mulheres a ser conquistado na cidade de Campinas.
* Luciana Palharini é doutora em educação pela UNICAMP
Imagens e Arte: Ana Muriel

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